A história (que faltava contar) dos caroços das cerejas

A história (que faltava contar) dos caroços das cerejas

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Apesar desta coisa de descaroçar, lavar e secar caroços de cereja ser um valente frete, este ano lá volto eu a dedicar-me à mesma empreitada.

Saiba-se que, em Trás-os-Montes aos caroços se chamam “carunhas”, mas lá na aldeia usa-se o termo “crabunhas”, vai-se lá saber porquê.

Foi em 2013 que tive a ideia de reaproveitar os caroços das muitas cerejas que descaroçava para fazer almofadas térmicas. Nesse ano, já a época ia avançada quando tive a dita lembrança e acabei por ficar muito chorosa ao recordar que tinha desperdiçado alguns milhares de caroços nas primeiras colheitas.

Em 2014 regressei em força e com convicção. Foi então que dei por mim a ter “atitudes estranhas” como, por exemplo, entrar em minipânico quando comia as cerejas e, descontraidamente, deitava os caroços ao caixote do lixo. Seguia-se a operação de resgate e pensava para comigo:

– “Isto é de loucos! Mas ninguém está a ver…” –, e lá salvava algumas carunhas que avistava no cimo do balde. Também cheguei a apanhar caroços do chão na eira e no quintal, tal era o hábito de os “assobiar” enquanto comia cerejas a toda a hora:

–“Não, não é loucura… Grão a grão…” –, num ápice, aceitava a minha justificação e puxava o filme atrás.

Levei algum tempo a educar-me, até que lá consegui comer as cerejas e guardar os respectivos caroços numa tigela com água.

Mas, a loucura mais suprema sucede quando conseguimos que outros embarquem no mesmo desvario que nós…

Disse então à minha mãe que, lá em casa, se teriam de guardar todos os caroços das cerejas. Claro, a senhora ficou siderada com a ideia da filha poder vir a juntar uns trocados com um punhado de tretas que não servem para nada, nem para alimentar as crias, galinhas e afins. A ideia parecia genial e assim se cumpriu o meu pedido.
Mas a história não fica por aqui… Certo dia, enquanto falávamos ao telefone, diz-me ela:

– “(…) a Bira, a Tina e a ti Júlia também te estão a guardar as crabunhas das cerejas(…)” .

Ui! É a insanidade total! Tenho a vizinhança a comer cerejas e a guardar-me os caroços! Deu-me vontade de rir enquanto a ouvia, mas contive-me. Passado poucos dias, fui de visita à terrinha e eis que aparece a minha tia (a Tina) com uma mão-cheia de carunhas num saco plástico, como se carregasse algo valioso, e diz-me com ar sério e sereno:

- “Toma lá estas crabunhas. O que vais fazer com elas?”. Respondi ao inquérito e segurei-me para não desatar a rir e deitar por terra a minha explicação.

Pois, deve ser pelos meus lindos olhos azuis, este ano volto a ter a vizinhança a coleccionar caroços e nunca a Lei de Lavoisier teve aplicação tão prática. Não há vizinhos como os meus, estas coisas fantásticas só acontecem em Trás-os-Montes e eu pergunto-vos:

– “Por ventura, algum de vós tem vizinhos capazes de vos oferecer até caroços de cereja?!”.
Ah, pois não… Invejem-me, que eu sou uma afortunada!

 

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