A Ronca do Ti'Maral

A Ronca do Ti'Maral

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– O vosso Ti’Maral tocava muito bem a música do “La-ri-ti”…
– A música do “La-ri-ti”?! Que música é essa, mãe?! – e começa ela a cantarolar:
– La-ri-ti, la-ri-tiii, la-ri-ti, la-ri-tiii…

Começo já por perdoar os meus cyberleitores menos perspicazes… A minha mãe é um verdadeiro MUST a falar inglês, sabe de cor a letra do “Let It Be” dos Beatles, e o meu tio Amaral era (e é) um exímio tocador de harmónica, pífaro e gaitas afins.

~ A História do Ronco da Ronca ~
(Um dia alguém tinha de vir contar a verdadeira história: eu, devidamente autorizada!)

Quando se reformou, o meu tio Amaral Alexandre tornou-se membro da Banda Filarmónica de Vila Verde da Raia, localidade onde exerceu, por muitos anos, a profissão de Guarda Fiscal. Dizia ele que queria, finalmente, “aprender música no papel”… e aprendeu!

Na sua mocidade, o meu tio trabalhou em várias zonas raianas. Certa vez, quando trabalhava no Alentejo (Elvas, imagino eu), veio de visita à terra e convenceu as irmãs a secar, meticulosamente, a pele de um coelho para fazer (com um cântaro velho de lata) uma Ronca.

Pelas minhas pesquisas googlásticas, “a ronca é um instrumento musical tradicional alentejano, bastante rudimentar, pertencente à classe dos membranofones de fricção. É composto essencialmente por um reservatório, geralmente um cântaro de barro ou metal, que serve de caixa-de-ressonância, e cuja boca é cerrada com uma pele esticada, a qual vibra quando se fricciona uma pequena e fina cana presa por uma das extremidades no seu centro. O som resultante é grave e fundo”.

Naquela época, na aldeia da Silva, não havia sequer electricidade e as poucas famílias que faziam serão, era à luz do velho Petromax ou da candeia de petróleo. Numa bela noite de luar de sábado, os meus tios, Amaral e Modesto, decidiram pôr o instrumento à prova: dirigiram-se para a Rodeira, o local mais alto da aldeia, e toaram alguns sonoros roncos com a ronca.

O que pretendia ser uma brincadeira tornou-se o caos. Toda a aldeia acordou, os cães começaram a ladrar e muitos homens vieram para a rua de espingarda na mão aos tiros. Os meus tios, apavorados, fugiram para o lado oposto à aldeia e já era quase madrugada quando apareceram em casa.

Nessa noite, um cãozito velho da aldeia morreu com o susto. No dia seguinte, domingo de missa, no adro da Igreja de Carrazedo de Montenegro não se falava de outra coisa:
– (…) devia ser uma alma do outro mundo! E para roncar assim, devia ter feito das boas em vida (...)
Chegaram a organizar-se batidas à procura do “bicho que roncou”. Diziam que “a avaliar pelo urro, deveria fazer umas pegadas grandes”.

Em casa dos meus avós ninguém se descoseu, até hoje. Desde pequenos que a nossa mãe nos conta esta pitoresca história, damos sempre umas boas gargalhadas e eu há já algum tempo que ando para a escrever. Fi-lo hoje. Aqui, no meu cantinho, também gosto de contar as minhas memórias e das minhas gentes.

Moral da história: deve ser à custa de partidas como a do meu tio que surgem muitas balelas fantasmagóricas, lendas de almas penadas, mouras encantadas e contos afins…

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