A cada dia o ser humano tenta superar-se e criar produtos cada vez mais funcionais e ergonómicos mas, definitivamente, acho que às vezes era melhor estar quieto! Porque raio é que as bicicletas da pequenada têm de ser iguais às dos graúdos?!
Agora que reflicto (pfs!) sobre o assunto, talvez isso melhore a auto-estima (e mais sei lá o quê) dos miúdos, pelo que houve, certamente, um psicólogo (iluminado) que achou por bem sugerir a uniformização dos modelos das bicicletas, tudo em prol de um crescimento saudável dentro dos parâmetros “normais” aceites pela sociedade.
Na nossa infância e adolescência o meu pai acabou por nos oferecer três bicicletas, mas a nossa favorita, a mais querida do coração foi a primeira: a Tininha. O meu irmão Adérito ainda chegou a andar nela com as rodinhas auxiliares, mas eu aprendi a andar com o meu pai a segurar o assento de banana (como chamavam a este modelo das fotos). Lembro-me de já andar a pedalar há algum tempo e, quando percebi que o meu pai não me estava a segurar, chocar de frente contra uma parede e empenar a roda (ficou desalinhada com o guiador, nada de grave).
Só andávamos de bicicleta ao fim-de-semana, na aldeia. Por lá, fomos os primeiros meninos a ter bicicleta e na nossa Tininha andou toda a canalha da nossa idade! Rolou tanto, tanto, que nos últimos anos os pedais não tinham já aquelas partes de borracha, era só metal.
Quando eu tinha os meus 7 anos (o meu irmão 10) começámos a ambicionar ter uma “bicicleta de cross”, como se chamava ao último modelo na época. Para nosso azar e pelo mau-feitio do meu pai, que nunca pedia opinião (nem pede!) a ninguém antes de comprar o que quer que seja, sem nós estarmos a contar, apareceu em casa a Vilar. Era uma bicicleta feia que de “cross” nada tinha. Tinha o guiador enorme, do estilo Harley Davidson, o assento de banana sem encosto, fino, raso e comprido, que quase dava para sentar 2 pessoas. Também rolou muito, nas nossas mãos e nas dos outros miúdos.
Quando eu tinha aí os meus 12 nos, o nosso pai resolveu surpreender-nos e presentear-nos com uma nova bicicleta… Hoje que penso bem sobre isso, percebo que o presente não era para nós, era mesmo para ele! Pois, o meu pai comprou uma “pasteleira” da famosa marca Ye Ye! Ter uma pasteleira deveria ser o sonho de infância do meu pai: “Gajo, que é gajo tem uma pasteleira!”.
O meu pai comprava sempre as bicicletas no “Rui das Bicicletas”, na Madalena, em Chaves. Eu consigo ver a alegria do homem quando, na altura, conseguiu despachar aquele mono. Deve ter atirado foguetes! Deveria ser já o último exemplar na loja, pois o meu pai até comprou um modelo com quadro de mulher... A bicicleta vinha toda bem apetrechada: dínamo na roda para alimentar a lâmpada prateada bem reluzente, campainha (grande) com o som titilante bem sonoro e, na roda traseira, para proteger as saias das senhoras de se enrolarem nos raios, trazia uns elásticos entrecruzados com umas flores em plástico, todas muito coloridas. Vá, o selim era fantástico, dava para alapar a maior das bundas sem sequer ficarem a doer, que aquilo até tinha amortecedores.
O meu pai orgulhoso pela aquisição, já nós éramos a imagem da desolação. Ainda dei umas voltas com a bicicleta, mas depressa perdi o gosto em fazê-lo, até porque a descer ela ia bem, a subir tínhamos de a trazer quase às costas!
Para o meu irmão acho que o desconsolo foi maior ainda. Os elásticos com as flores que cobriam as rodas traseiras num instante desapareceram e, passados poucos anos, com as suas economias comprou uma “Bicicleta de BTT”. No dia que o meu pai a foi experimentar, disse que não prestava, que o selim magoava (bem haja o selim da Ye Ye!).
Hoje, temos em casa uma bicicleta histórica, mas odiamo-la, nem fotos lhe tiramos, simplesmente está lá, sabemos que tem o seu valor. Já a Tininha e a Vilar ficaram anos guardadas: suspendemo-las nas traves do telhado do armazém e, lá em cima, nunca estorvaram ninguém. Um dia, o meu pai mostrou vontade de oferecer a Tininha ao homem que nos lavrava os terrenos e nós quase o fuzilámos!
Há coisa de um ano e meio o meu irmão foi buscar a Tininha. Limpou-a, arranjou pneus novos, pedais, e corrigiu todos os raios das rodas. Até tratou da ferrugem! Disse que aquele modelo era o melhor para ensinar o meu filhote a andar de bicicleta. A minha sobrinha aprendeu a andar sem as rodinhas com a invenção que ontem vos mostrei, mas o meu piqueno teve a mesma sorte a dobrar.