Não vou falar de Doces, nem Licores ou Chutneys, vou contar histórias dum tempo que já lá vai, mas que me vieram há memória por estes dias. Por isso, a composição de fotos deve, certamente, parecer-vos bem descontextualizada… (e não só!)
Há já algum tempo comprei o carro vermelho que aparece na imagem ao meu filho, que tem agora 2 anos e 4 meses. Apesar de nas advertências do artigo dizer que se trata de um brinquedo para crianças com mais de 3 anos, com vaidade vos digo que o meu piqueno manobra o veículo com tal destreza e agilidade, que eu quero crer que o Ayrton Sena também começou assim!
O carro do meu filho está na aldeia, em casa dos meus pais, em Carrazedo de Montenegro, porque não me agradou nada a ideia de ele o usar para sair e entrar em casa (apartamento!), entrar no elevador e descer à garagem e andar dentro de casa, enfim, como faz diariamente com um pequeno triciclo de plástico que aqui tem.
As restantes fotos têm, pelas minhas contas, uns 16-17 anos, o modelo é o meu irmão e a fotógrafa fui eu (que tolos!). São tão antigas, que a nossa casa actual ainda estava em construção e até o meu irmão ainda aparece com cabelo! No entanto, o projecto de carro destas fotos é BEM mais antigo…
Ao carro de madeira e ferro-velho, eu e o meu irmão chamamos-lhe o “Carro da Rodeira”. Tirámos-lhe estas fotos quando o descobrimos no monte da lenha, já esquecido. O meu irmão ainda o consertou para a fotografia, adicionou-lhe uns extras (conta-quilómetros e rádio!), vestiu-se a rigor, colocou os “raibantes no frontal”, as ferramentas no bolso e cá vai a foto: “O Carro da Rodeia e o seu criador”. Depois disto, o veículo foi para abate…
Este carro velho e fosco fez muitas das nossas delícias de infância. Toda a miudagem da aldeia experimentou descer a Rodeira, um caminho ingreme lá da terra, ao empurrão no início e depois quase em queda livre. Era a pura da loucura! Depois trazia-se o carro às costas para cima e era a vez de outra criança descer. A algazarra era tanta, que lá se juntava a canalhada toda da aldeia, à espera da sua vez para a descida. Normalmente, só regressávamos a casa quando partíamos o eixo do carro ou quando a minha mãe já gritava esganiçada, a chamar por nós para jantar. Quando eu não ouvia a minha mãe chamar, lá vinha um miudito dizer:
- “Meninha, a tua mãe está a chamar por ti… “, o que era péssimo! Partir o eixo do carro era um desconsolo, mas levar uns cascudos nas orelhas não era nada melhor.
Na nossa infância, os fins-de-semana na aldeia eram sinónimo de “liberdade” e “divertimento” (até que “ganhamos corpo para trabalhar”, mas isso já é outra história…). De segunda a sexta-feira, éramos meninos de cidade, vivíamos em Chaves, quase no centro da cidade e, ou andávamos na escola ou ficávamos em casa a ver televisão. Felizmente, como em muitas cidades raianas, tínhamos as tardes televisivas da TVE que faziam as nossas delícias, porque, convenhamos, assistir aos programas do Vasco Granja, sempre à espera que o senhor se calasse para vermos 2-3 minutos de uns desenhos animados numa língua esquisita com um autor mais estranho ainda, era quase desesperante (com o devido respeito pelo senhor, atenção!). Viva “El barrio sesamo”, “El verano azul”, “Kit - El coche fantástico”, “El equipo A”, “MacGyver”, algumas séries estrangeiras dobradas à boa maneira espanhola.
Na aldeia éramos quase reis. Fomos os primeiros meninos a ter bicicleta, marca Tininha, e todos os miúdos da nossa idade andaram nela. Dos nossos carrinhos de rolamentos também já não reza a história. Eu nasci em 75 e o meu irmão em 72, havia por lá muita canalha da nossa idade. Hoje, para grande pena minha, da idade do meu filho não há nenhuma criança lá no bairro, e este magnífico carro vermelho com raios de fogo, pedais e travão-de-mão não irá causar tanta sensação como o nosso rudimentar Carro da Rodeira. Outros tempos… O meu irmão era o calmo e sossegado, o génio, o inventor, o habilidoso, eu a arruaceira “espalha-brasas”, que falava com toda a gente e que ajuntava as multidões. Ai, ainda hoje é assim…
Lá na aldeia o meu irmão é aquele que, sempre que chega, tem um ou dois serviços à espera: consertar a máquina de costura da minha tia, soldar a pata de um pote que partiu ou a roda da carreta, consertar o motor de rega do vizinho, configurar um aparelho da TDT, etc, etc. Em troca, ganha sempre uns pacotes de Bolacha Maria, alguns chocolates franceses e suíços e o contínuo respeito e admiração dos mais velhos pelo “menino engenheiro”.
Esta publicação é uma homenagem ao meu irmão, uma das pessoas mais importantes da minha vida, a única pessoa que me faz todas as vontades. A pessoa mais perfeita no que faz à superfície da terra. Aqui, para a Groselha-espim já me fez umas quantas coisas, as mais visíveis são a estante dos doces e dos licores que uso nos meus mercados. Eu passo-lhe a ideia e as medidas, ele faz o projecto em AutoCAD, envia-mo para aprovação, depois a obra final sai mais funcional e ergonómica do que alguma vez eu tinha pensado.
O meu irmão não tem Facebook, porque está sempre a projectar alguma coisa e, como ele diz, “não tem tempo para estas coisas”. Por isso, nem vai ler o que eu aqui escrevi… E, caramba, comecei a escrever esta publicação a rir-me e agora estou a choramingar, mesmo sem ter de picar cebola…
Um grande bem-haja ao meu mano, por ser quem é, como é e por ser meu irmão!
Não há irmão como o meu...
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