Fui trabalhar às 8:15 e, numa escapadela ao final da manhã, fujo e vou pedir ajuda ao meu Santo Milagreiro:
– Rui, Rui, por favor, tem tempo para me atender?! Espete-me aqui umas agulhas, dê-me um Xanax, que o Alprazolan Verdadeiro já não me funciona! Hoje tem de me pôr a dormir!
Fui logo atendida. Deitei-me na marquesa, de barriga ao léu, e lá começa ele a espetar agulhas à dúzia. Umas no umbigo, outras no baixo-ventre, umas no toutiço, na zona da moleirinha, outras nas fontes da cabeça e, por fim, uma no meio das sobrancelhas. E ali fico eu, num gabinete, quietinha, furadinha, com uma mantinha por cima. Diz ele:
– “Respire fundo e relaxe”. E lá foi à vidinha dele.
Entretanto, oiço alguém entrar. Uma senhora disse que queria fazer uma “Massagem Tui Na” e depois a Acupunctura. Ele acedeu e oiço-os conversar um pouco. Queixou-se um pouco da vida e, diz ela “(…) sou professora (…)”. Pensei cá para comigo, “mais uma!”. Por estes dias deve ser a nossa classe que mais dá serviço aos profissionais que lidam com estas maleitas da mioleira e do corpo.
Neste gabinete só se ouve música dos Pan Pipe Moods, nem há telemóveis com som. Por isso, é inevitável ouvir as conversas. Mas eles não falaram muito. Reinaram, então, apenas os sons das flautas… e da minha voz interior!
– Rais’parta! Porque não te calas Arménia?! Tu, que já dormias pouco, decidiste agora ser Influencer e passaste a dormir menos! Cala-te! Isto até é um insulto ao trabalho deste senhor, ele mandou-te respirar fundo e relaxar! Ai se ele soubesse que tu não te calas! Devias dizer-lhe antes assim: “Rui, vem cá, dá-me dois pares de estalos e põe-me desmaiada pelo menos 15min!”.
Desde sábado, o meu primeiro treino como Influencer do Segmento da Construção, que a minha cabeça não deixou de fervilhar. Já tenho rábulas suficientes para os próximos 30 dias! Se antes já falava sozinha, agora a coisa começou a piorar…
E tocam apenas as flautas do Pan.
Pi-ri-ri pi-ri-ri, faz-me o relógio. Vou ver...
– Credo, que má mãe que sou, esqueci-me de marcar as senhas do almoço da criança na plataforma do SIGA! Como lhe respondo?! O telemóvel está ali enfiado no saco!
– Vá, acho que dá para responder pelo relógio... Como é que isto se faz?! Ti-no-ni, ti-no-ni! Olha, tem aqui emojis… Porra! Só há emojis sorridentes, bem-dispostos e beijinhos?!
Scroll, scroll, scroll… O primeiro emoji infeliz que me aparece é um coradinho de tanto suar!
– Que horror, ele não entendeu a mensagem! Deixa ver, este pingarelho tem aqui mais opções. Ufa, “Voice to text”! Siga: falo para o relógio algo como “Não, hoje pagas multa, depois eu marco as senhas da semana”.
– What?! Qué isto? Esta m**** está em inglês! Como é que apago? Como é que mudo?!
Nicles… A mensagem saiu, mas ainda tive o dom de a escangalhar mais.
– PORTUGUÊS
– Em português
A criança começa a bradar aos céus e eu desato à gargalhada, toda furadinha com agulhas! Procuro mais opções de resposta e vejo que esta coisa tem mensagens pré-definidas. Eis que encontro um “No”. Siga!
– Tás bem?
– Are you ok?!
A partir daí, desato às gargalhadas, ainda mais sonoras. Nem o Rui me veio acudir! Acho que, das duas uma (ou até as duas): arrumei com toda a minha reputação junto da colega do gabinete ao lado, que não me viu (ufa!), ou este homem consegue milagres com estas agulhas.
– Porra, o relóijio está em inglês! Nem parece que és pressôra de TIC!
Corri tudo e lá dei com as definições da coisa. Afinal, ainda tinha outra opção de resposta, mas em texto escrito… Só que eu já não sei escrever mensagens assim! No visor do relógio aparecem as letras aos conjuntinhos de 4. Tentei escrever “Não consigo estou no relógio”. A coisa começou a correr bem, menos à última palavra, que me aparece ali um “pelo”.
– Porra, não sei apagar isto! Que se lixe, sai “pelo”, ele vai ler “pêlo” e estou na esteticista!