Relato de uma mulher que comprou um carro novo

Relato de uma mulher que comprou um carro novo

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Escrevo em tom de desabafo… Comprei um carro há pouco mais de 15 dias e, para grande desconsolo meu, já está sujo! Ok, um “bocadinho” sujo… Eu, que já não limpava o meu velho Turbo Quim há meses e que acumulava côdeas de migalhas de bolachas, dou agora por mim com vontade de ir já lavar o meu novo veículo… No interior, bem sei, mea-culpa, que só me dei ao trabalho de perceber como funcionava a ar-condicionado por estes dias, mas por fora… ando danada! Assim, deixo aqui o meu manifesto de desagrado para com os Senhores das obras ali do Leroy Merlin:
– Caros Senhores, bem sei que os camiões de transportar a terra sujam a estrada e a chuva só complica, mas vá, por estes dias deixo a carrinha lá fora e a coisa melhora um pouco. Agora, nos dias de sol, aquele vosso tractor de jactos mija-mija para lavar a estrada é contraproducente! Recomendo vivamente que, em vez de ocuparem o serviço do senhor da rega, ofereçam vouchers de desconto ali para a o Car Wash do Continente!

Adiante…

“Manuais de Instruções”: literatura que só agrada a homens! Aposto que qualquer homem que compra um carro novo devora o seu manual no próprio dia. Para mim, estes livros são como a publicidade e os panfletos do Mestre Curandeiro Kumbayala que me colocam na caixa do correio, a única diferença é que os primeiros vão logo para o lixo e os manuais ficam para ali eternamente (des)arrumados numa gaveta, por descargo de consciência.

Quando saí com o carro do stand, a Andreia explicou-me, assim por alto, as funcionalidades dos botões e o painel do carro. Diz ela:
– Quando começar a andar vai perceber tudo naturalmente…
Peço então para me sintonizarem apenas a Rádio Comercial no botão 6 e cá vou eu.

Para quem tinha um carro com 21 anos, tanto botão e tantos indicadores luminosos assim de uma vez só era, no mínimo, assustador, e, claro, qualquer carro novo se aparenta com um Ferrari. Mas, como professora de Informática que sou, adepta fervorosa do Método de Aprendizagem pela Descoberta, lá me atrevi a clicar aqui e ali. Opss! Entrei em minipânico, “dessintonizei” a rádio! Cliquei outra vez e a coisa vai novamente ao sítio, safei-me. Escusado será dizer, que só depois de dar umas boas voltas pela cidade consegui colocar no visor os km que o carro tinha. Perdi o prazer de o ver perto dos 0, já tinha 20km, enfim…

Ora, decidi então ir visitar as minhas clientes e amigas do Mercado Bacalhoeiro para lhes mostrar a nova aquisição. Estaciono e desato às pancadas ao volante para tocar a buzina: nem Xi, nem Mi! Afinal a buzina era também mais um botão… o que até não correu mal, afinal não fiz figuras tristes.

Nesse mesmo dia vou de viagem até Trás-os-Montes e, na auto-estrada, ganhei coragem para carregar em vários botões. Consegui então a proeza de sintonizar as minhas 6 rádios de base. Já do leitor de CD e MP3 (ou lá o que seja para USB), que não me interessam, passei à frente.

Ao chegar a casa dos meus pais, enquanto estacionava a “camonete” na garagem, dei graças a mim mesma por ter tido a feliz ideia de mandar instalar os pi-ri-ris da marcha atrás. Sem espelho retrovisor central, abençoados sejam os pi-ri-ris! Penso nisso todos os dias, quando estaciono a carrinha na minha garagem.

Na aldeia, o meu pai pegou logo no manual (homens!). Questionava-se sobre a pressão de ar dos pneus. A dada altura chama-me e diz:
– Olha, aqui diz que é 2.9 a 2.11…
– Oh pai, isso é o Índice Remissivo, tens de ir ler o que diz nessas páginas!
Os pneus de carros de mulheres deveriam ser auto-insufláveis. Mas, menos mal, o manual tem Índice Remissivo e marcou alguns pontos na minha consideração. Só um informático sabe o quão valioso é um índice destes, em especial numa “bíblia de Mastering” de 1500 páginas (ADORO!).

Entretanto, tenho como co-piloto um homenzinho que, apesar de estar a adorar a experiência de ter um carro novo, infelizmente não sabe ainda ler manuais de instruções. Aguardo, pacientemente, pelo dia que o co-piloto seja o meu irmão, que é o melhor leitor de manuais de instruções: além de instalar tudo que é aparelho cá em casa, em 3 tempos me explica também como funcionam.

O meu co-piloto anda verdadeiramente deliciado com a experiência de ter um carro novo, em especial pelo facto de andar sentado no banco da frente. Passei meses a dizer-lhe:
– A mãe tem de vender muitos frasquinhos para comprarmos um carro novo…
– Não mãe, compramos um camião!
– Humm… Que cor preferes?
– Azul! – que o resto, para ele, são cores de meninas.

Ora, no primeiro dia o miúdo dizia a toda a gente que a mãe tinha comprado um camião. Vá, que o veículo é maior que o normal, mas lá tive de o corrigir e dizer-lhe que era apenas uma carrrrinha. Acho que o petiz não ficou lá muito satisfeito, mas a coisa passou-lhe depressa: quando colei a publicidade da Groselha-espim foi a pura da loucura, dizia ele que a carrrrinha já tinha autocolantes como o Faísca McQueen!
– Mamã, porque não há carros azuis?
Referia-se ao azul FCP, igual aos carrinhos de metal que ele tem, alguns raiados de fogo. Respondi-lhe que, se calhar, era uma cor feia (e filho meu é do Braga e/ou do Chaves!).

Por estes dias, tive mesmo de pegar no manual. Aquilo dizia sempre “Emparelhar dispositivo” e nada de parelhas…
– Oh Arménia, os telemóveis vêm com Bluetooth porque aquilo serve mesmo para alguma coisa! Duuuh! – shame on me. Bastou activar a dita funcionalidade e foi quase seguinte, seguinte.

Há uns quantos botões e visores na carrinha que ainda não me dizem grande coisa, mas ela anda e cumpre todas as minhas necessidades. Contudo, como “self made woman” que sou, fiz uma coisa que não lembraria a muitos homens fazer!
Durante 21 anos habituei-me a ter um carro com protecções de borracha nas portas. Sempre que abria a porta dava um cacete na parede da garagem e não se passava nada.
– E agora?! A carrinha é enorme! Daqui por uns dias tu vais-te esquecer e pimba, pregas-lhe um selo…
Foi aí que me lembrei daquele tapete azul de fazer abdominais que estava para ali parado (desde o tempo que eu fazia ginástica mesmo). Compro uma cola XPTO e colo-o na parede do lado do condutor. Vou ali à SportZone e compro outro (assim pró vermelho) e colo do outro lado. Perfeito!
Agora tenho de ouvir o piqueno quase todos os dias:
– Eu quero o azul do meu lado

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