Hoje volto à minha expressão escrita, que não magiquei uma rábula passível de transmitir num vídeo (curto) o que agora vou intentar escrever.
O “Tema” em causa é amplamente explorado em livros catalogados como de Auto-ajuda, mas quando o personificamos, este ganha, acho eu, o título de “Exemplo”, que é a melhor coisinha que podemos passar aos outros, mesmo que na forma de contra-exemplo. “Olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço” é já coisa que me cansa profundamente e vou guardando, carinhosamente, na vesícula biliar.
Sair da zona de conforto aos 20-30 anos, antes de ter família e/ou filhos, é, apenas e só, uma aventura e, quem não o fez, que tivesse feito, pois viveu menos. Já pensar fazê-lo depois, pode ser apelidado por “loucura”, “tens a certeza?”, “tu vê lá…”, “deixa-te estar!”. Depois, tu faze-lo MESMO: uns, os bons, dizem “gabo-te a coragem”, outros devolvem-te o silêncio da observação e, acrescem os piores, os devotos Profetas do Agoiro, dão palpites sem que lhos solicitemos e alvitram perguntas.
Fiz o Mercado de Natal, de 1 a 24 de Dezembro, em Braga, e dizia-vos que “estávamos a caminhar para o Out-of-Stock”. Estávamos mesmo, mas propositadamente. A nossa mudança de casa estava planeada há mais de um ano. Compotas e licores era a última coisa que eu queria trazer aos tombos. E não trouxe.
Vendi um apartamento onde morei 16 anos da minha vida, numa zona de Braga muito bem cotada no mercado imobiliário. Um T3 com uma maravilhosa disposição solar, totalmente mobilado (sem uma única peça da famosa loja sueca, note-se), pronto a habitar. No dia 29/12/2022 trouxe comigo apenas o sofá maple do escritório, por ser uma peça especial/rara/útil, os tapetes e quadros, feitos por mim, e os trapos de vestir e dormir.
– Ou trago tudo, ou nada! – escolhi a segunda opção… aos 47 anos de idade!
Em Junho de 2021 sinalizei um terreno com 630m2, na freguesia de Nogueira, coloquei o meu apartamento à venda, e esvaziei-o de tudo que não me fazia falta para a garagem de uma amiga. Esperei vendê-lo rápido, para concretizar a compra do terreno, e pensava alugar o 3.º direito/frente no mesmo prédio. Vivi, por esses meses, uma novela mexicana que envolveu falsas-amigas (no singular, mas só posteriormente neste sentido pejorativo), cuscos e visitantes/clientes não qualificados, agentes imobiliários diversos, muita mentira e especulação.
“O comprador” do apartamento apareceu, tal como desejei que ele fosse: honesto e com a finalidade de investir para aluguer. Abençoados sejam o senhor “A” e a sua esposa.
Em Novembro de 2021 vendi, efectivamente, o apartamento e escriturei o meu terreno. Acordei com o novo proprietário sair do apartamento no final de 2022, a tempo, segundo a minha (falsa) amiga, de reabilitar o espaço para a loja/atelier da Groselha-espim e construir a minha moradia de tipologia “casa-de-bonecas”. À tal garagem não precisei de ir resgatar NADA. Vivemos bem com o essencial, cada vez me agarro menos às coisas-coisas.
Ora, há males que vêm para bem, caros Profetas do Agoiro! Sabiam?! Ainda não tenho moradia, o processo ainda se encontra para licenciamento na Câmara Municipal. Mas livrei-me da tal amiga, que se pôs ao fresco quando os timings deram ares de dar para o torto, reouve o dinheiro que ela me extorquiu em honorários de fiscalização de obra não prestados e evitei o saque que ela me iria fazer ao cofre! Sou tola, mas não sou burra. Mesmo assim, continuo a achar que devemos confiar nas pessoas. Sozinhos não vamos longe, só que, às vezes, corre mal. São as tais “pedras” no caminho.
Esta pessoa que vos escreve, traz um defeito de fabrico chamado foco-em-demasia, teimosia ou coiso (tenho muitos outros, mas agora vou falar deste!). Esta defectividade, às vezes, dá-me ares de morcego, ligo o radar, e vou ali, filadinha, e digo cá para mim:
– Tu és menina para fazeres isto TUDO sozinha. Nem vale a pena pedir ajuda aos amigos, pois ainda vais ter de lhes explicar como se faz e isso custa-te tempo.
Pior, ainda acrescento:
– Ai fazes! Nem que e lixes toda… com F! Amen.
Neste mês de Março nasce a Matilde, vem fazer companhia ao José, que a Rita é uma rapariga corajosa! E não é que até a Matilde veio/está para vir no tempo certo?! O médico declarou, em Outubro (julgo, nem sei precisar), pela segunda vez, que a Rita, por motivos da saúde dela e da criança no seu ventre, parasse. Ainda me amanhou os primeiros marmelos, mas teve de o fazer sentada. Depois, veio acudir-me pontualmente, a despachar encomendas apenas, que a minha vida de docente se descruza, muitas vezes, com a rota dos estafetas da transportadora. A Rita regressará em Setembro.
Em Outubro, decidi que não faria mais doces, só marmelada. Disse-o aqui, só não vos disse que o objectivo principal era esvaziar a casa e só depois reformular os preços, em Janeiro.
– Ai, ai, que afinal ela não nos conta tudo!
Fiz o raio da marmelada (de marmelo!) sozinha e planeei, com uma semana de antecedência, o Mercado de Natal pois, lamentavelmente, o estaminé não se forra sozinho. Estive lá 24 dias. A minha amiga Ana fazia as manhãs, começava às 10:00. Havia dias que eu entrava às 12:00, outros às 14:00, e a rapariga pregava comigo, que eu não tinha de a ir render tão cedo. Retorquia eu com ela:
– Eu não venho aqui para vender, venho para mais que isso. Venho divulgar, promover o que faço e ninguém faz isto melhor que eu!
Sobrevivi.
Dia 26/12/2022 comecei a mudança. A Casa 37, onde agora estamos, está totalmente mobilada, fica menos de 1km de distância da Casa 41, o tal apartamento da zona altaneira da cidade. Não tive de procurar a Casa 37, acho que estava à minha espera, que a minha estrela nunca me falha (a do Trabalho, que a outra não existe!). É uma zona habitacional mais densa, perto de tudo, não é num bairro social, caros Profetas do Agoiro!
Era uma segunda-feira, tinha a carrinha cheia de tralha e, lá venho eu, a entrar, estreante, pela garagem. Ao sair, tive aquela sorte de principiante:
– Ó Rita, vou carregar a carrinha e depois vens cá tu, só para a conduzir, que eu da próxima vez fico entalada ao sair da garagem! É que eu já não sei fazer o ponto de embraiagem na camonete…
Nessa segunda deitei-me exausta. Deito-me sempre na cama do miúdo, conversamos um bocado enquanto ele não adormece, depois saio. Tem 11 anos, que abençoada ainda sou!
As crianças, e até os jovens, não sabem o significado da palavra “cansada/o”. Disse ao Miguel que estava cansada, mas ele não parava de saltitar e de palrar comigo. Ralhei, para ver se funcionava:
– Miguel, não sabes que vamos sair desta casa esta semana?! Neste momento só temos um terreno e um sofá!
Ficámos ambos calados. Eu acho que gelei, caí em mim ou não sei onde. Tive um aperto no estômago e muita vontade de chorar. Passados uns minutos, ouço o nariz do meu filho a fungar e pergunto-lhe se está constipado… Começou, então, a chorar e a soluçar compulsivamente.
– Amanhã de manhã sais logo comigo. Vais ver que a casa é gira e confortável. Aliás, já ta devia ter mostrado, pois não estarias agora a chorar assim. Desculpa filho!
Chorou muito tempo, nem sei. De manhã, lá veio comigo. Achou que a casa não era tão bonita como a “nossa”, mas que gostava dela por ser R/C e até já ter net! Gostou do quarto dele, mas quando viu o meu, disse:
– Este quarto é um terror! É o quarto da madrasta!
Tentei convencê-lo que é um quarto de rainha (e é!), que há uma réplica desta mobília num palácio cor-de-rosa em Sintra… Não fui lá muito convincente. Ele gostou do quarto do meio, mesmo quando eu lhe disse que ia usar o roupeiro e todos os seus gavetões…
A minha primeira cama de bebé tinha um colchão de colmo. Já tinha sido do meu irmão e não sei de quem mais o foi antes. Tinha uma cova a meio, sei que dormi nela até aos meus 7 anos, já na casa da aldeia. Nos Natais, a minha avó paterna era muito criativa: lembro-me de ter dormido com ela, numa cama de palha, com um plástico por cima que fazia ruge-ruge; afogueada e entalada, no meio dos meus pais, num colchão de espuma assente numa cama com base de rede metálica; colchões de espuma, muitos, alguns no chão, às vezes húmidos e, na volta, com percevejos ou chatos, bicheza que nunca vi, mas se existem nas descrições do Saramago, de certeza que existiam na casa da minha avó. Já no que respeita à roupa de cama, edredons e afins, adoro os brancos fios turcos dos hotéis, mas já experimentei manta do melhor e fino trapo, tecidas pela minha avó, cobertores de lã de ovelha, fiada pela mesma mão e, pela cor, pouco dados ao branqueamento. Tudo tecido de categoria, daquele que aquece tanto, por não nos movermos na cama, de tão pesados serem no lombo.
Já mudei de casa 4 vezes, sem contar com o facto de ter de esvaziar o quarto da residência universitária a cada mês de Julho, sabendo que para ali regressaria em Setembro.
Sexta, dia 29 de Dezembro, entreguei as chaves. A tarde anterior foi épica... Tenho uma Rainbow que, para quem não conhece, é um equipamento de limpeza que, para além de ter o dom de aspirar os ácaros e o seu cocó dos colchões, ao aspirar o nosso chão consegue limpar o tecto da vizinha de baixo (quase), etc. Nessa tarde, além de aspirar, lavei o chão com o (pesado) rodo desta máquina. É um primor de equipamento, diga-se… mas não o deveria usar à douda, enquanto gritava ao assistente para puxar os cabos a cada divisão, e ele sem perceber nenhuma das minhas instruções, nem a direcção que eu queria tomar. Chorei de dor, enquanto esguichava o chão, esfregava e revirava o rodo para aspirar a água e secar o soalho.
Depois, tive a ajuda do Sr. Miguel. Debaixo de chuva, conseguimos transportar o (estafermo!) do maple maciço. Este dia termina às 20:30, à luz das “lanternas de mineiro” da minha querida amiga Cidália e do seu marido, a transladar 5 árvores de kumquat para o terreno (sim, conseguimos descê-las no elevador!), na “Marinete do Jairo”, a velha carrinha do seu falecido pai, e eu, molhadinha até à cueca.
Que tenho eu então para vos dizer sobre as fotos que agora partilho? Que fazer mudanças é lixado com F, mas para o corpo!
Consegui a proeza de deslocar um tendão no ombro esquerdo, que me dava dores horríveis na mama. Mas este desarranjo só foi detectado no dia 5 de Janeiro.
Nestes últimos meses perdi 2kg de gordura localizada: apenas nas olheiras, em dois dos meus melhores atributos e, quer-me parecer, atrás das orelhas. Aos olhos de alguns profetas, viram-me triste e desalojada, quando eu só estava cansada e dorida.
“O seu, a seu dono será” e “a sorte protege os audazes”.
Devem ser ditos de verdadeiros profetas.