A diplomada da foto é da minha tia Leontina, uma das irmãs mais velhas da minha mãe. Se as contas não me falham, a minha tia tem hoje 80 anos.
O meu avô materno chamava-se António Alexandre, era um grande proprietário e teve 6 filhos vivos (para grande azar meu que, de contrário, poderia eu hoje ser quase uma latifundiária! *ops*). Da sua prol de filhos e netos, eu sou a sua neta caçula da filha mais nova.
Há 59 anos atrás, o meu avô permitiu que a minha tia Leontina (Tina) tirasse o curso de costureira no Porto. A aldeia onde moram os meus pais chama-se Silva e pertence à freguesia de Carrazedo de Montenegro, sendo a aldeia mais próxima desta (recente) vila. Naqueles tempos, a minha tia era (e ainda é!) a única costureira diplomada na aldeia e no raio de MUITOS quilómetros.
Nos tempos em que toda a gente fazia roupa por medida e nada se comprava no Pronto-a-Vestir, a minha tia tinha sempre IMENSO trabalho. Nós morávamos em Chaves durante os dias da semana e só ao fim-de-semana íamos para a aldeia, eu e o meu irmão eramos “meninos da cidade”. Aos sábados ficávamos sempre entregues aos cuidados da minha tia, enquanto os nossos pais iam trabalhar nos terrenos. Eram sempre tardes muito bem passadas!
A sala de costura da minha tia estava sempre cheia de gente que vinha de todo o lado para mandar fazer roupa e por à prova roupa já alinhavada. Havia sempre muito “corte-e-costura” naquela sala, e não era só em tecido! Eu divertia-me imenso. Além de haver sempre muitos trapos pelo chão para fazer roupas (tipo múmia!) para a minha Tuxa, eu dava treta a toda a gente, como se diz em Trás-os-Montes, “falava com todo o bicho careto”.
Por aquela sala de costura passaram muitas moças casadoiras como aprendizes, a tentar instruir-se na arte de bem-costurar. Algumas eram burras que nem portas e a única coisa que aprendiam a fazer era a chulear à mão as bainhas e costuras das roupas, que a velha Singer da minha tia só fazia ponto corrido! No Verão, também por lá se faziam serões bem divertidos.
Meia volta, havia pessoas que me perguntavam se queria ir com elas até suas casas, e eu ia. Ainda me lembro de casas que hoje já não existem. Recordo-me de me darem de “merendar” e comer coisas estranhas como pão de centeio com um montinho de açúcar regado com azeite. Ai! Lembro-me de um pão de trigo com manteiga, aquecido ao lume que agora me deu água na boca (caramba, já não se faz desse pão de trigo!).
Por sermos meninos da cidade, as pessoas lá da aldeia sempre nos acarinharam de uma forma diferente e até perdoavam alguns modos de estar diferentes da nossa parte. Tanto eu como o meu irmão sempre tratámos os nossos pais por “tu” e, porque a minha mãe também assim o fazia com a minha tia, ainda hoje falamos com ela na mesma pessoa verbal: “Oh Tina!”. Coisa raríssima na aldeia, que estranhava a alguns, quando nem os meus próprios primos tratam com a mãe por “tu”.
A minha tia sempre teve um feitio muito condescendente, ao contrário da minha mãe. Deixava-nos fazer tudo, virar a casa de pantanas se fosse preciso, e não se passava nada! Já da minha mãe tínhamos de ouvir… E lá dizia a minha tia:
- “Oh, deixa-os coitadinhos, são crianças, não pensam…”
- “Crianças?! Ro-nhó-nhó-nhó…” - E, meia volta, lá nos acertava o passo.
A casa da minha tia é muito próxima da nossa, coisa de metros. Muitas vezes a minha mãe pedia-me para ir a casa dela buscar alguma coisa e, terminava sempre a frase dizendo: “mas não te demores!”… Acho que essa parte eu nunca ouvia bem, talvez já estivesse demasiado perto da porta a sair… E eu esquecia-me do tempo e por lá ficava entretida. Claro que, passado um bom bocado, lá vinha a minha mãe e eu estava tramada… Ela vinha no caminho e já se ouvia a pregar! Quando subia a escadas da casa da minha tia, dizia sempre:
- “Esta minha filha é como o burro do Moleiro, para onde vai, fica!”
Eu já não sou do tempo dos moleiros, muito menos deles fazerem transportar as suas mercadorias por azémolas, mas sabia bem o significado daquelas palavras…
A minha tia Tina ainda hoje costura, mas o seu trabalho resume-se a pequenos arranjos e bainhas. Sofre dos males de muitos anos de trabalho, na coluna, em artroses, enfim. Da arte de costurar a minha mãe tudo aprendeu com a minha tia, aliás, no que toca a fazer casas-de-botão, ninguém é melhor que a minha mãe. Já eu, faço cortinados, toalhas de mesa e bainhas de calças, o resto compro no “Pronto-a-Vestir”!
A Tina continua a ser a nossa tia querida e esta publicação é uma homenagem a ela!
Sobrinha de costureira, também sabe costurar
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